terça-feira, 15 de julho de 2008

TSE AGORA QUER QUE EU FALE SÓ DE ASSUNTOS CELESTES. ENTÃO TÁ!

O Tribunal Superior Eleitoral fez uma grande fogueira em Brasília e queimou a obra de Montesquieu. Que mané divisão de Poderes, o quê! O tribunal quer tudo. No lugar, mandou reeditar o pensamento vivo de Armando Falcão. Aquilo, sim, é que era disciplina e objetividade. Só o retrato do candidato e duas linhas de biografia: data de nascimento, profissão, cidade de origem e cargo que disputa. E acabou. Nada de más influências contaminando a cabeça limpa de cidadãos desprotegidos.

O TSE não quer mais blogs e sites opinando sobre política. E, no caso de notícia, deve-se garantir a todos igual espaço. O tal do Levy Fidelix, aquele do aerotrem, é candidato? Preciso saber o que ele pensa e enviar o resultado para os senhores ministros. Durante a ditadura militar, vocês sabem, o Estadão publicava sonetos de Camões e estrofes de Os Lusíadas no lugar das matérias que eram censuradas.

Resolvi lembrar algumas estrofes e trechos em prosa para homenagear o TSE. Já que não posso falar sobre política, agora vou me dedicar à literatura, entenderam? Vamos começar a falar de novo por meio de metáforas, aquele procedimento que rendeu ao Chico Buarque a fama de gênio. Vamos lá. Com açúcar, com afeto, dedico estas palavras aos ministros do TSE:

*
A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
(...)
(Gregório de Matos)
*
Que falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.

Quem a pôs neste socrócio?... Negócio.
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E no meio desta loucura?... Usura.

Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que perdeu
Negócio, ambição, usura.
(...)

E que justiça a resguarda?... Bastarda.
É grátis distribuída?... Vendida.
Que tem, que a todos assusta?... Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa
O que El-Rei nos dá de graça.
Que anda a Justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.
(...)
A Câmara não acode?... Não pode.
Pois não tem todo o poder?... Não quer.
É que o Governo a convence?... Não vence.

Quem haverá que tal pense,
Que uma câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence.
(...)

(Gregório de Matos)

Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia, e como fosse trazido à sua presença um pirata que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém, ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim. — Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? — Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza; o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres.
(...)
Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: — Lá vão os ladrões grandes a enforcar os pequenos. — Ditosa Grécia, que tinha tal pregador! E mais ditosas as outras nações, se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas! Quantas vezes se viu Roma ir a enforcar um ladrão, por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador, por ter roubado uma província. E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões triunfantes? De um, chamado Seronato, disse com discreta contraposição Sidônio Apolinar: Nou cessat simul furta, vel punire, vel facere: Seronato está sempre ocupado em duas coisas: em castigar furtos, e em os fazer. — Isto não era zelo de justiça, senão inveja. Queria tirar os ladrões do mundo, para roubar ele só.
(Sermão do Bom Ladrão, Padre Vieira)

*
“Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disso conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas?
Oh tempos, oh costumes!
(Catilinárias, Cícero)
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"Quando as leis forem fixas e literais, quando só confiarem ao magistrado a missão de examinar os atos dos cidadãos, para decidir se tais atos são conformes ou contrários à lei escrita; quando, enfim, a regra do justo e do injusto, que deve dirigir em todos os seus atos o ignorante e o homem instruído, não for um motivo de controvérsia, mas simples questão de fato, então não mais se verão os cidadãos submetidos ao jugo de uma multidão de pequenos tiranos, tanto mais insuportáveis quanto menor é a distância entre o opressor e o oprimido".
(Dos Delitos e das Penas, de Cesare Beccaria)
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Por favor, Pare agora, Senhor juiz, Pare agora!
(Schopenhauer, também conhecido por "Ternurinha")
Por Reinaldo Azevedo | 05:55 |


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